‘Transformar ruas em calçadões é o futuro’, opina CEO de consultoria de desenvolvimento urbano
- Matheus Carneiro
- 14 de abr.
- 5 min de leitura

Gustavo Taniguchi é o CEO da URBTEC™, uma empresa de consultoria de planejamento urbano. Apesar de ter se formado em engenharia civil, ele dedicou toda sua carreira a transformação urbana para promover uma vida de qualidade nas cidades. Com projetos em diversas cidades espalhadas para o Brasil, a URBTEC™ propõe soluções para problemas de mobilidade e vivência urbana voltado as pessoas. Nesses projetos, é comum encontrar a sugestão de transformar uma rua movimentada com problemas de trânsito em um calçadão.
Nascido e criado em Curitiba (PR), lar do primeiro calçadão do Brasil, Taniguchi entende os benefícios de um espaço destino aos pedestres. Em entrevista ao Mobilidade Estadão, o CEO opinou sobre a implementação de calçadões, o futuro das cidades, os principais problemas e possíveis soluções.
Fechar as ruas e criar calçadões é o futuro das cidades?
Gustavo Taniguchi: Com certeza é o futuro. Principalmente para promover cidades mais saudáveis, seguras e humanas. Desde a década de 60, 70, os carros foram protagonistas nos processos de ocupação das cidades, e isso acabou afastando as pessoas das ruas.
Quando se está planejando uma cidade ou buscando melhorar a qualidade de vida, queremos um ambiente agradável para a circulação. Quanto mais espaço a gente tiver para propiciar esse encontro das pessoas, vai ser melhor. Claro que não é só uma questão de mobilidade “fechou rua já resolveu”, mas a forma que ocupamos o solo.
Não só questão de retirada dos carros, mas criar outras integrações, tanto de planejamento urbano, como de segurança pública. Em Curitiba, o primeiro calçadão Brasil foi a força. O comércio reclamou, mas depois, se acostumou e abraçou a ideia. Aquela rua virou um shopping a céu aberto.
Como a implementação de um calçadão pode impactar a economia local?
Gustavo Taniguchi: A primeira reação, principalmente dos comerciantes, é justamente essa: “sem o automóvel, eu vou perder minha clientela”. Mas como o Jaime Lerner [ex-governador e arquiteto do Paraná] falava, carro não faz compra. Então temos que propiciar que a pessoa chegue no comércio e que aquele local seja agradável. Adianta ter vagas de estacionamento, ter uma calçada, mas ter um índice de insegurança muito alto? Se tiver um número de assaltos muito alto, não vai atrair compradores.
Ao enfrentar essa resistência, que acontece em todas as cidades, a URBTEC™ vem com a ideia de implementar calçadões e mostrar que não precisa ser feito de uma vez só. É importante que a população entenda que aquilo pode ser um teste, durante o fim de semana, por exemplo. Fazer um uma ‘revoluçãozinha’ urbana para que as pessoas entendam que aquele lugar pode ser melhor.
Como garantir a segurança nos calçadões?
Gustavo Taniguchi: Aí todas as esferas de governo têm que estar atuando em conjunto. Se você tem uma área degradada, com usuários de droga, as famosas Cracolândias, tem que ter uma ação conjunta da assistência social, da saúde pública, da segurança pública. Tem que propiciar mecanismo de saída dessas pessoas. Não adianta tirar de um lugar e colocar em outro.
Então essas pessoas em situação de rua, em situação de risco mesmo, elas têm que ter esse tratamento, não é uma solução única. Não vamos tirar o automóvel e vai resolver tudo. Essas ações são integradas, devem ser pactuadas com a sociedade, o comércio, a população, a cidade tem que abraçar essa causa para que, então, isso dê certo.
Qual que é a importância de áreas de convivência dentro dos centros urbanos?
Gustavo Taniguchi: É esse ponto de encontro que a gente gosta. Quando moramos em um bairro que tem esses pontos de encontro, eles acontecem naturalmente. Seria bom se tivesse em todas as partes da cidade esses pontos de encontro. São áreas para lazer, descanso ou para troca de ideias.
No exemplo do calçadão de Curitiba, foi criada tal da Boca Maldita, que era onde os políticos discutiam e as questões políticas da cidade. Boca Maldita porque eles falavam mal de todo mundo, principalmente daqueles que não estavam presentes na Boca Maldita. É propiciar essas, esses locais onde as pessoas realmente possam debater a cidade, debater ideias.
Além dos calçadões, que outras medidas podem tornar para tornar as ruas mais caminháveis e os bairros mais propícios a encontros?
Gustavo Taniguchi: É fundamental ter outras formas de deslocamento que não o automóvel.
Não é agradável caminhar próximo a um tráfego intenso de veículos, com barulhos de buzinas e poluição. Tudo isso acaba impactando a caminhabilidade. A estratégia seria propiciar outras formas de caminhar, sejam com modos ativos ou coletivos. O que a gente precisa realmente é propiciar um tempo menor de deslocamento, um custo menor e isso também vai impactar o planejamento.
A população tá morando cada vez mais longe do centro. O pessoal está indo para as periferias, porque o custo é menor. Mas isso demanda esse deslocamento, porque o emprego dessa pessoa está no centro. Um equilíbrio de ocupação do solo, dos sistemas de transporte permite recuperar aquela centralização das cidades.
Os centros da cidade estão se esvaziando, mas é ali que tem toda a estrutura. Já tem praça, tem museu. Então, os centros da cidade têm uma infraestrutura que deve ser potencializada para que a população volte a morar no centro. Tem que ser uma política de habitação perene porque a população, vivendo no centro, automaticamente vai dinamizar mais o comércio e os serviços.
Você acha que falta ousadia na hora de tomar as decisões quanto essas mudanças no urbanismo?
Gustavo Taniguchi: Não digo ousadia, porque sempre tem uns ousados de propor novas, novos usos, novas ideias para esses espaços. O que mais dificulta são as normativas legais. Tem um prédio comercial no centro e tem uma série de normativas que não permitem residências ali. Essas mudanças têm acontecido em alguns municípios. Alguns locais começaram a fazer retrofit (modernização e revitalização de edifícios antigos, preservando a estrutura original), ou seja, aquele prédio ou região não será mais apenas comercial, poderá ser residencial com algumas adaptações.
Temos que realmente focar em agregar o maior número de pessoas possíveis para que então se promova essas transformações. Algumas são rápidas, imediatas, outras vão demandar, por exemplo, essa mudança normativa.
Os calçadões estão entre os mais difíceis ou os mais fáceis?
Gustavo Taniguchi: Acho que são os mais fáceis. Desde que a gente tem uma alternativa para os deslocamentos. Ter uma ciclovia, um VLT (veículo leve sob trilhos). Não falta criatividade também, e sim coragem. Porque quem vai determinar o calçadão, será o poder público. Se o poder público tiver essa coragem aliada à criatividade, com certeza teremos mais calçadões.
Mas lembrando, não é só o calçadão. É toda uma estrutura que tem que ser criada para propiciar aquela qualidade. Não é só tirar o carro.
Comentários